Os contos secretos

 


O ÚLTIMO OLHAR

Naquela noite,  ao estacionar, ficou no carro. Olhava os bebados que passavam pela calçada. Bem ao lado da casa havia um bar. Triste sina, aqueles que não querem voltar ao lar, esticam seus corpos em qualquer lugar.


Olhando aquele movimento, Angel percebeu que o esposo cobrava de um senhor moreno, bem ali adiante. Logo foi passando a mulher loira,  seus cabelos eram de tranças longos abaixo da cintura. Ela também seria cobrada naquela noite. Era uma mulher sofrida,   foi jogada ao orfanato,  sofreu de fato; saiu de lá quando maior de idade. 

Depois de sair se envolver com um homem,  teve uma filha.  O homem por sua vez,  a abandonou ao orfanato da vida e levou consigo a criança concebida. Pouco tempo depois ela engravidou de outro homem que também fora embora. E esse, tudo abandonou,  agora vez ou outra trazia um dinheiro para a filha. 

Entenda que a vida carrega armadilhas. Os homens complicam o mundo. Confundem em suas próprias trilhas. Com esse dinheiro que o pai dava a Lora,  como era chamada,  pagava parte das suas dívidas. A menina cresceu e já tinha seus dez anos. Uma criança da rua dos bebados. Vivia ali com a mãe,  com os bebados da rua,  e com as cobranças que vinham na porta constantemente.

Naquele dia,  Lora ao passar pelo portão avistou Angel dentro do carro,  no banco do passageiro. Foi chegando perto,  e olhou a mulher dentro do carro, encarrou a esposa do homem que viera lhe cobrar. Angel sentiu que aquele olhar era algo nunca visto,  e que ela queria lhe dizer algo! Mas o que? Nada falou, apenas a olhou nos olhos demoradamente e do nada  saiu caminhando em direção ao homem que viera lhe cobrar. 

De longe Angel viu a troca de meia duzias de palavras, entre Lora e o marido.  Nada entendeu. Mas no mundo deserto dos homens a sombra da culpa tamanha acompanha,  assola,  desola o coração mais despreparado. A filha da Lora ali não estava. Já fazia tempo que Angel não lhe cruzava o caminho. De longe olhava e pensava na criança vivendo ali naquele ambiente. Sentia pena.

Quando Angel chegou em casa questionou a marido a forma estranha que aquela mulher lhe olhou. Ele só respondeu: -Ela está metida com drogas,  com gente barra pesada e o pai da menina não quer mais dar o dinheiro. Angel foi dormir rezando pela menina. E pensando nas palavras que acabou de ouvir. Ao fechar os olhos pra dormir o olhar de Lora lhe vinha a cabeça. 

Sete dias a diante,  toca o telefone,  e está pronta a tragédia! Lora se enforcou no banheiro. Da mesma calçada que Angel a viu pela ultima vez,  escutou ali as histórias tristes que uns e outros murmuravam: 
-Ela não só usava o dinheiro da filha para pagar as dívidas,  a criança era sua moeda mais valiosa; diversas vezes a menina foi trocada, por algumas horas por várias dívidas. 
-É verdade, eu mesmo vi os velhos metecrepitos e desumanos eram os principais recebedores da moeda indevida. A menina era levada lá para quitar a dívida da mãe.
-Sim,  a pobrezinha estava a pagar até as dívidas de drogas,  de bebidas, a todo instante tinha um cobrador na porta. Ela então levava a menina e depois ia buscar. Pobrezia,  magra, triste,  pálida,  deve já estar é doente!
Estas eram as conversas que Angel ouvia. O ódio lhe subia os nervos ao ouvir tudo aquilo e ver que aquelas pessoas sabiam e nada fizeram para proteger aquela pobre menina, vítima da desgraça de quem lhe gerou. Quase chora ali mesmo com pena da criança.
Mas se conteve. Saiu da triste cena que enterra toda alma pequena.

Angel nunca entendeu o que dizia aquele olhar,  afinal,  Lora devera a seu marido e não a ela. A vida que se esgota, no tempo justiça se impera ao intento,  injustiças aos inocentes é coisa que não se espera ao momento. Ouviu os murmurios daquela gente,  saiu dali descontente, Angel agradeceu a morte, rezou em pensamento,  partiu silênciosa assim como chegou, foi só ouvidos. E continuou a rezar pela pobre orfã que agora iria para o orfanato como sua mãe foi um dia.

Um grande abraço a todos! 

Comentários

Anônimo disse…
Eu gosto do vosso expressar

Postagens mais visitadas deste blog

Além da imaginação

Poesia : De onde venho

Amor Eterno