Chinelas de Couro



Não me lembro do seu nome,  se era joão,  Veldemar,  ou Bartolomeu! Deveras não lembro. Mas ele descia a rua arrastando suas chinelas de couro com um barrulho que só ele sabia fazer. Quando ia chegando próximo da casa,  os netos e a nora ouviam o seu assovio e uma frase que nada dizia mas ao mesmo tempo tudo falava:- rhurhu. 

Era deste modo que ele impunha sua presença de avô,  o mais amoroso dos avôs que já conheci,  eu deveras nunca tive um avô daqueles. Sempre presente,  independente dos problemas familiares,  ele era presença certa! Por isso Lucy sabiamente, mesmo que ela não fosse,  naquele ano novo ela fez questão que os netos passasse a virada do ano juntinho de seu avô,  era o último ano dele sobre a terra. Sábio é quem valoriza pessoas e não dinheiro.

Mas voltemos as chinelas que desciam a rua e se sentavam na calçada por volta de cinco horas da tarde. Pois bem,  aquele avô chegava neste horário,  fazia seus sinais,  beijava os netos,  lhes fazia uma graça e se a nora estivesse na porta de casa ele sentava-se na calçada e lá ficava a papear até que um carro parati  cinza apontasse na esquina; dai em diante ele se levantava, por vezes esperava pra ver o filho de perto, ou simplesmente descia a rua naquela calmaria de sempre.

Certa vez ao chegar,  a nora estava nervosa, e esconjurava tudo e todos. Ele bradou com as crianças, e sentou-se na calçada dizendo dêem sossego pra sua mãe! Ergueu a cabeça olhou para a nora e disse: - eu te entendo! - Porque você não larga do fio? 

A nora sorrindo disse: - Eu tenho que criar seus netos o senhor esqueceu? Filho a gente cria é com mãe e pai juntos;  foi assim que minha mãe me ensinou. O sogro balançou a cabeça e respondeu: você está certa,  gosto de você nora porque você me deu as três coisas que mais amo neste mundo: meus netos!

A nora nervosa continuou: -Quando seus netos estiverem grandes,  acredite,  o senhor não vai me ver mais nesta casa! O sogro sábio que era respondeu: - Não é bem assim, eu continuarei a ver meus netos! A nora nervosa responde novamente: - O senhor sempre vai ver seus netos,  mas eu não,  pois o dia que eu largar seu filho eu não quero mais nenhum contato com a família do senhor. O sogro sorrindo disse: - Então você se lascou pois eu estou falando que eu vou continuar frequentando a casa da mãe dos meus três netos, é isso!

A nora mais calma pela graça do sogro, sorriu. Era ele,  o sogro que vez ou outra lhe pegava do nada na varanda da casa e dançava um forrozinho de passagem,  nem era uma música inteira, por vezes nem música tocava; mas o sogro era quem sempre procurava lhe trazer um alento,  uma alegria em um gesto,  em uma comida que ela gostasse;  ele lá estava com a vasilhinha de canjica ou com alguns gomos de jaca para alegrar a nora. 

Naquele dia ele disse algo expetacular,  foi uma previsão do futuro,  foi,  hoje eu sei que foi. Ele disse para a nora: Se você larga o fio,  ele vai cair nas graças da ambicioneira, e ela é criada por aquela mãe dela que vive de olho nas coisas da gente,  eh nora,  eh nora,  se ela já fez até macumba pra você morrer,  não quero nem imaginar o que ela fará com o filho para ficar com a herança para ela.

A nora olhou bem para ele e disse,  eles se merecem! E eu não coloquei filhos no mundo para ela criar,  eu crio meus filhos! Ela quer tanto essa herança? Então ela que arrume filho com ele ou pede ele pra por ela como herdeira no testamento,  pois é assim que as pistoleiras dão golpes em novelas.

O sogro,  rindo da situação retruca: - Dá a ideia pra ela então ter filhos agora com ele, porque só meu filho e meus únicos três netos serão meus herdeiros,  e se eu quisesse deixar qualquer coisa para ela,  eu colocava no meu testamento,  e eu não coloquei; lá tem o filho,  do filho vai pros meus únicos três netos e pronto.  E nora,  ela tem muita  inveja de você ser estudada como é, e pela UFG,  ela nunca passou lá, ela não tem inteligência para isso. Então você manda ela já arrumar logo uns filhos com o seu marido,  pois até você criar essa turminha aqui e ir embora ela já vai estar velha,  já vai ser vovó e fica feio demais uma velha ambicioneira barriguda para correr atrás de um pedacinho de herança!

A nora cabeça quente,  já calma pelas graças do sogro, riu da situação e falou: - Eu estou torcendo para chegar o dia de ver aquela idosa grávida,  pedindo pensão,  pro ex marido com quem ela nunca quis se casar,  porque não suportou ele por muito tempo!   Ou ainda ver ela viver o inferno que vivo para criar filhos. Quero muito ver isto acontecer meu sogro. 

Que mundo da voltas a gente já sabia,  mas ganância e brigas por dinheiro com herdeiros legítimos é hipocrisia! Sábio o homem que rasta a chinela e sabe bem distinguir o que é um bem de família. 

Um grande abraço a todos!

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