Mulher sem calcinha


MULHER SEM CALCINHA: 1.

Por nunca querer ser igual a ninguém me vi sozinha desde a infância; enquanto minhas amigas invejavam roupas e sapatos umas das outras,  aos oito anos de idade eu andava descalça, esse era meu sapato favorito: pés ao chão; assim eu me sentia livre e integrada ao mundo. E mesmo mamãe me vestindo roupa eu as tirava e ficava somente de calcinha.

Penso que provavelmente eu quiz fazer parte da cultura indigena sem saber seus habitos,  mesmo sem ver um índio além do livro da escola; eu queria a liberdade que a roupa me tirava. Lá na cartilha que eu ganhei do estado já vestiam sunga no indinho, na infância eu nunca vi a cultura real dos índios,  isto para sorte de mamãe,  penso no trabalho que ela teria se fosse o contrário. Até mesmo dentro da igreja eu retirava aquele vestido infernal e os sapatos que mesmo de verniz eram só bobagens de gente grande que queriam mostrar sapato na igreja. 

O fato era e é até hoje:  eu não consigo invejar ninguém! Eu sempre desejei ser diferente em tudo,  diferente de todos. Ser igual a todo mundo nunca foi para mim uma opção.
Enquanto menina andei descalça e somente vestida de calcinha. Hoje creio que apedrejei um maniaco que se masturbava me olhando justo por isto. Sim eu apedrejei aquele rapaz que tirou os seus orgãos para fora. Atirei contra ele inumeras metades de tijolos comuns. Eram bem pesados mas eu sempre fui ótima na pedrada,  não errava uma. Cresci e descobri que um pedófilo havia sido minha vítima nas pedradas. Ele se machucou com as tijoladas que mandei em sua direção; e minha mãe teve que dar umas quatro telhas para a mãe dele consertar o telhado da casa deles. O vizinho pedófilo perdeu o encanto pela menina do pé de goiaba; euzinha.

Nunca mais ele quis me espiar vestido e nem tão pouco pelado. Penso,  ou ele criou ódio de crianças ou viu que eu não era igual as meninas minhas amigas que viviam dando notícias de ver ele atrás da casa lhes mostrando as ''coisas''. Decididamente,  eu nunca fui igual a ninguém,  cresci e odiei as tais calcinhas de renda ou não que via minhas amigas adolescentes comprando todas eufóricas. Eu não precisava das pecinhas que elas invejavam entre si. Logo eu não tinha do que ter inveja.

Era muita coisa de adolescente que elas precisavam. Era maquiagem,  sapatos,  roupas,  namorados e calcinhas. E eu cada vez precisava de menos.  Cresci sem precisar de nada disso, inclusive de namorados; tive dois e já me casei com o segundo para não ter que perder meu precioso tempo namorando aqueles moços sem nenhuma qualificação nos meus requisitos de amor. As calcinhas também as dispensei. Eu sempre precisei de bem pouco. E isso não mudaria mesmo que eu tentasse.

Eu não ficaria na ''pista para  negócios''. O amor da minha vida estava dentro de páginas. Logo nunca desejei nada igual ao que fosse de outra pessoa. Ninguém tinha um amor igual ao meu. E nem eu o tinha,  ele estava nos livros.  Uma vida inteira eu passaria sem desejar a vida dos outros ou quaisquer outras coisas de ninguém. Segui tentando ser igual a todo mundo. Me esforçei,  mas não deu certo. Me sacrifiquei para parecer com as pessoas ''normais que invejam'' . Mas eu queria a liberdade de ser eu mesma.

Inveja é um sentimento que nunca cabe em meu jeito de ser. Gosto de tudo meu diferente das demais pessoas. Até de meu nome eu queria posse completa e única, queria que fosse exclusivo só meu aquele nome. Quando eu era criança  logo assim que eu descobria que alguém se chamava Luciene eu detestava. Tia Gercy lembra disto até hoje. Ela era quem ficava de olho nesse meu jeito de não querer ser igual a ninguém. Alguém tinha o nome igual ao meu? Que audácia,  tudo meu era diferente e exclusivo então eu pensava quando crescer invento um nome só meu. Serei a única pessoa dona de tal nome. Acho que consegui isso também,  hoje Luciene Rroques,  é um nome artistico e só meu no mundo todo.

Fui sempre tão dona de mim; dona da minha exclusividade interior.  Desde a infância meu amor habitava livros,  ele estava em coisas que eu escrevia. Estava em mundos que criei. Em códigos e palavras onde apenas eu e somente eu iria acha-lo em sua essência. Lá o deixei por longos e longos anos; o guardei em meus escritos. O amor para mim passou a habitar mundos onde os pretendentes jamais entraram.

Estes eram só rapazes comuns,  não tinham os pré requisitos para serem diferentes o suficiente a ponto de ser o amor da minha vida. O amor por longos 35 anos habitou minhas palavras,  meus livros. Mamãe certa vez disse: tens que amar um menino de verdade. Eu dei a ela a resposta mais verdadeira possível. Mãe eu amo de verdade,  amo tanto que o meu amor deixarei guardado em meus livros em minhas poesias.

Não sentir inveja de namorados,  e nem necessidades de sapatos e outros adereços fez de mim a moça que jogava uma pedra ou puxava uma faca para quem quisesse falar coisas de cunho sexual comigo. Eu nunca estou na pista pra negócios seja lá quais forem em qualquer área da vida,  tudo que não desejo não negocio,  simplesmente retiro do meu caminho. E com este genio um tanto diferente das moças da minha época,  eu guardei o príncipe dos livros e fui viver uma realidade que aqui não cabe contar,  em outras palavras fui viver o normal das moças que não queriam namorados fui tentar ser igual a todo mundo. Casei. Este foi um erro que cometi; eu não era e jamais seria igual a ninguém. Não se muda a essência da alma humana.

Ninguém muda a própria essência,  mesmo mudando a própria vida,  jamais o interior é perdido. Tentei ser  frágil,  não deu certo. Eu sou o tipo de mulher que carrega oito tijolos furrados nos braços se eu precisar,  faço masseira pra assentar tijolos e os assento. Tentei comprar coisas que amigas tinham,  cheguei a comprar,  doei tudo para quem não tinha. Cheguei a comprar calcinhas de renda,  que perda de tempo as joguei fora.

Não se muda a essência de ninguém,  por anos eu acreditei que eu mudaria a minha. Acreditei que eu me adaptaria aos modos comuns da vida. Achei que carro,  casa,  e calcinhas seria coisas importantes para mim como é para as outras mulheres. Me enganei por trinta e cinco anos; eu jamais ia conseguir mudar as coisas as quais eu dou real valor. Eu pensei que eu me mudava com o tempo. Eu estava errada. Nem a minha essência nem a de ninguém pode ser alterada. Não tente mudar quem está dentro do seu interior. Nem seja inocente de acreditar que você muda qualquer pessoa.  Nascemos o que seremos,  todo o restante do que parecemos ser e pura  fantasia que criamos se quisermos ser aceitos aqui e ali. Quando não existe um caminho,  qualquer caminho serve,  mas se há um caminho,  nenhum outro o substituirá.

O tempo passou,  cheguei na idade em que você não precisa mais ser aceito por ninguém; e em nenhum lugar você deseja ou precisa estar,  você passa a se importar com quem você realmente é e não com o contexto em que você está inserido.   Neste momento a vida vai ficando mais leve,  e as pessoas entram e saem de sua vida em uma velocidade incrível. Você não perde tempo discutindo nada com absolutamente ninguém. A seleção de pessoas ao seu redor passa a estar no automático,  ao menor sinal de desconforto na convivência você libera o espaço e segue com sua paz interior; é uma pessoa a menos ou a mais na sua vida. A vida ganha um fluxo incrível e uma serenidade transcedental. Nada mais tem sentido a não ser você ser quem você sempre foi desde a infância.
E nesta hora que eu paro e começo a sorrir para mim mesma, pois nada me faz usar calcinha!

Um grande abraço a todos!
Fiquem bem,  fiquem em casa,  tudo isso vai passar!





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